Carta aberta ao Governador do Ceará por Ritacy Azevedo Teles
Excelência,
Preciso dizer-lhe publicamente que votei muito mal nas últimas eleições estaduais!
Sou professora de Língua Portuguesa, Literatura e Redação e me dedico à
profissão intensamente há vinte anos. Votei em Vossa Excelência por o
senhor apoiar a campanha de Dilma Roussef. Há quatro revelações que devo
fazer aos professores para que possam me desculpar esse ato falho,
embora saiba que muitos deles agiram como eu, pois acreditaram em suas
propostas de fazer avançar a educação no Estado. É justo que o senhor as
conheça!
1.
A primeira é a de que, na verdade, não havia, no Ceará, nenhum
candidato dos que disputavam mais veementemente o Governo que fosse
convincente, apesar do grande aparato midiático. Dos males, porém,
viesse o menor. O senhor pelo menos contribuiu na campanha da
Presidenta. O meu prejuízo não foi completo.
2.
A segunda confissão é a de que, como o senhor, tentei ser esperta, pois
votei em alguém de quem, mesmo não esperando um bom mandato, contribuía
para o meu objetivo. Reconheço, contudo, que o senhor me superou no
lucro de tudo isso, por ter sabido se apoiar na minha candidata para se
eleger.
3.
A terceira é a de que não esperava ver colegas escrachados, humilhados,
surrados, feridos, ensanguentados, desmaiados, tratados sem o mínimo
respeito, como se vítimas dos famosos anos de chumbo da Ditadura
Militar, principalmente ocorrendo este fato na Assembleia Legislativa,
Casa que deveria defender os interesses da classe em vez de,
subservientemente, ceder aos seus caprichos. Felizmente a população já
sabe que apenas quatro Deputados votaram contrariamente ao plano de
Vossa Excelência. Não será só o senhor a perder no próximo pleito, mas
também todos os que, ao contrário dos quatro, "ferraram" os professores
(Esta é a expressão: "ferraram", pois não consigo ser educada e suave
diante de barbaridades e brutalidades).
4.
A quarta e última é a de que nunca me orgulhei tanto de ser professora.
Estou feliz por saber que os meus colegas, os meus digníssimos colegas
estão enfrentando como heróis seu autoritarismo e por saber que teremos
avanços a partir de agora, pois a história dos professores cearenses
muda a partir de agora, bem como a sua!
Continuemos,
agora apenas entre nós! Não posso perder a oportunidade de satisfazer a
uma curiosidade! Preciso perguntar-lhe: se o estudo do professor não
tem valor no Ceará, que valor terá o do aluno? Ah, já sei... o senhor
manda distribuir computadores a alguns. Quero lembrar que não são bobos.
Vão recebê-los, mas não vão compensar as perdas do ano letivo!
Refiro-me
à desvalorização da pesquisa e da obtenção de conhecimentos. Os
professores, ao se submeterem a cursos como Especializações e Mestrados,
desejam adquirir conhecimentos que difundirão para crianças e jovens do
nosso Estado. Sei que não devem obter um título apenas nem
principalmente para terem algum acréscimo financeiro em seus
vencimentos. Seu maior anseio deve ser aprender mais, para ensinar mais e
melhor. Esse argumento, porém, não pode dar sustento à desonestidade e à
injustiça. O que se deve pagar a mais ao professor especializado,
mestre ou doutor por essa conquista e pelos esforços necessários a ela
tem que ser justo, e não desrespeitoso. Não deve se assemelhar a uma
esmola, como a que o Governo de Vossa Excelência insiste em garantir. É
necessário que todos os cearenses, da capital e de todos os outros
municípios, saibam que a proposta para essa recompensa é humilhante e
que precisaria que fosse decuplicada para corresponder a uma pequena
porcentagem do subsidio de Vossa Excelência, que não precisou mostrar
diploma nem provar conhecimento algum para governar o Estado. Para ser
Governador, basta não ser analfabeto.
Algo mais grave!
Trato ainda de algo mais grave: do seu desrespeito ao professor. Suas
infelizes frases, reveladoras do grande desdém que Vossa Excelência não
soube esconder em seu discurso, magoaram a todos nós, e não apenas aos
colegas da rede estadual. A sua sugestão de que professores devem
trabalhar por amor só poderia ser aceita se eles não comessem; se não
quisessem garantir às suas famílias pelo menos uma diminuta parcela dos
benefícios que o senhor garante à sua e a si mesmo; se não se vestissem,
se não precisassem pagar por energia, água, telefone e, o que já é
impossível, se não precisassem de livros e de outros recursos para o seu
crescimento intelectual.
Não
posso deixar de comentar também sobre a sua declaração de que o
professor que queira ganhar melhor deve migrar para a escola privada.
Vossa Excelência não se preocupa com a evasão dos professores da rede
estadual? Isso não seria problema? Outros seriam contratados? Não
interessa a permanência dos professores por muito tempo no serviço
público, para que projetos tenham continuidade e outros benefícios
ocorram? A escola privada realmente se mostra mais justa que a pública
para com o professor? Esse pensamento de Vossa Excelência é lastimável!
Por que falo tanto?
Não tenho interesses partidários nem sou membro da oposição. Mas sou uma
professora! E mais: sou especialista e mestra. Não gosto de ver meu
esforço desvalorizado. Não adentrei o serviço público de educação. Não
tive o desprendimento e o heroísmo dos meus digníssimos colegas da
educação pública do Estado do Ceará, os quais respeito muito. Não me
considero, porém, culpada por não acompanhá-los em tamanho esforço
porque, ao contrário de Vossa Excelência, não concordo que eu deva
trabalhar só por amor, mas também por dinheiro.
Não
digo que a sua visão de que o professor ou qualquer outro profissional
deva trabalhar por amor é ingênua, pois ingênua seria eu se assim
pensasse. Digo sim que é uma máxima cruel, insensível, revoltante, além
de ridícula! Além de respeitar o professor, lamento pelo desdém de que
ele é vítima, pelas humilhações a que é submetido. É absurdo um
professor precisar destinar-se à Assembleia Legislativa do Ceará para
reivindicar desgastantemente um direito garantido por lei que Vossa
Excelência insiste em desrespeitar: o direito a um piso salarial de
aproximadamente R$ 1100,00.
Um apelo...
Pense melhor, Excelência. Deixe a sensibilidade superar a arrogância e a
indiferença pelas necessidades sociais. Seja prudente! O senhor já
perdeu por tudo que tem feito!
Um aviso...
Não
é só o professor da rede estadual que está insatisfeito, mas também o
da rede privada de ensino, bem como outros segmentos. Não há causa sem
efeito!
Sem mais,
Ritacy de Azevedo Teles
P.S.:
O tratamento respeitoso de "Vossa Excelência" é mera convenção
gramatical da qual não consigo me desvencilhar. Não deve entendê-lo
literalmente
Franci,uma carta corajosa e muito bem escrita!São mais que justas suas reinvidicaçoes!Hoje vc está no Recanto!Bjs,
ResponderExcluirRealmente, Anne, a Ritacy Azevedo Teles, escreveu muito bem esta carta.Senti-me contemplada enquanto professora. Amei a entrevista, linda! E a música, especial. Obrigada.
ResponderExcluirFranci que carta maravilhosa, concordo plenamente com o que a Anne falou, esta menina teve coragem. Querida amei sua entrevista embora atrasada eu a li e comentei sim, não poderia deixar de fazê-lo, afinal não é sempre que se ganha uma amiga assim como você extremamente especial, beijos Luconi
ResponderExcluirAh, Luconi. Obrigada por tão singelas palavras.
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